(foto: Luiz Filipe)
Pedi a esfiha para viagem e sentei numa cadeira de fora;
cara enfiada num livro pro tempo passar mais rápido e para me distrair de um
cazuza sendo assassinado, na tv, por mpbistas malas. Um sujeito de fala confusa,
sujo e cheirando a bebida, chegou perto (demais, pro meu gosto) e veio puxar
papo. Fiquei incomodado, mas tenho dificuldade em ser rude com quem não é
primeiro. Não era um bêbado amador, era um alcoolista, como dizem, daqueles que
praticam o esporte todo dia, fazendo poucos intervalos. Queria dizer que estava
admirado por ver alguém lendo. Disse que tinha oito filhos – nesse ponto,
entendi imediatamente o motivo da bebedeira – que adorava ler, mas que havia se
“mediocrizado”. Que já teve muitos livros, “Dom Casmurro, Guimarães Rosa...”,
mas que sua mulher jogou um monte fora. Disse que se tornara um pinguço.
Perguntou meu nome umas cinco vezes, incapaz de lembrar. Pediu
para ver a capa do livro, mas não conseguiu ler direito e tive que dizer qual
era o título. Os olhos muito pequenos e vermelhos, cheios daquela emoção alcoólica
que eu conheço bem. Pediu desculpas várias vezes por ter interrompido. Estava
dizendo que era funileiro e fazia réplicas de carros antigos, quando o
balconista avisou que a encomenda dele estava pronta. Antes de ir pegar a
pizza citou, sem tropeçar numa única vírgula, um trecho de Clarice Lispector.
Algo que falava sobre contemplação ou coisa assim – um texto surpreendentemente
longo para um cara que, naquele momento, não conseguia guardar na memória três sílabas. Minha esfiha saiu, nos cumprimentamos e eu fui embora pensando em quantos
“medíocres” assim não deve ter por aí.
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